Ed- 14–Matéria Doutrinária

por Glaucia Savin

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Porque um evangelho segundo o espiritismo?

O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão de passar – Mt 24,35


Jesus ensinou por aproximadamente três anos sem nada escrever.


Suas palavras foram conservadas por seus seguidores e os primeiros registros surgiram muitos anos após a sua morte.


Dada a dificuldade de documentação à época, cada discípulo anotou apenas o que ouviu e compreendeu.

Daí a profusão de textos. Alguns considerados autênticos, ou seja, atribuídos a alguém que tenha
convivido com Jesus, cujo conteúdo guarde coerência com os fatos históricos e que possuam
uma linguagem elevada, condizente com os ensinamentos do Mestre.


Muitos outros textos acabaram sendo rejeitados.

Os cristãos diferiam entre si sobre quais evangelhos preferiam. Os da Ásia Menor utilizavam o Evangelho
de João, enquanto o Evangelho de Mateus era o mais popular, em geral.


Foi Irineu, bispo de Lyon que, por meio da comparação entre os textos, acabou por afirmar que apenas quatro evangelhos, o de Mateus, Marcos, Lucas e João, poderiam ser considerados autênticos ou “canônicos”. Irineu também foi o primeiro a atestar que o Evangelho de João foi de fato escrito pelo apóstolo e que o Evangelho de Lucas foi escrito pelo mesmo Lucas que era companheiro de Paulo.
Porém, a fragilidade dos pergaminhos, as dificuldades decorrentes das muitas traduções, bem como a ausência de coordenação no trabalho dos copistas, acabaram por gerar versões absolutamente
díspares da mesma obra.


As várias versões eram motivo de divergência entre partidários de visões e interpretações diferentes.
No ano de 384, tentando por fim às divergências, o Papa Damaso confiou à Jerônimo a missão de comparar os textos e redigir uma versão latina do Antigo e Novo Testamentos, a que se denominou
“Vulgata”. Esse trabalho foi novamente revisto em duas outras oportunidades, dando origem ao
texto que utilizamos na atualidade.


Muitas alterações foram introduzidas ao texto, buscando embasar interpretações e justificar dogmas
defendidos por determinadas correntes do pensamento religioso.

É por este motivo que Kardec, no prefácio daquela que viria a ser a terceira obra da codificação,
esclarece sua finalidade e alcance ao explicar que podemos dividir as matérias contidas nos Evangelhos
em cinco partes: os atos comuns da vida do Cristo; os milagres; as profecias; as palavras que serviram
para o estabelecimento dos dogmas da Igreja; o ensino moral.

As quatro primeiras partes, como observa Kardec, têm sido objeto de discussões por vários ramos
do pensamento religioso, mas a última permanece inatacável, quer sob a ótica religiosa ou filosófica,
de maneira atemporal. Foi este o motivo que levou Kardec a priorizar a perspectiva moral, que é a que
melhor reflete o conteúdo essencial do legado de Jesus.

Data de 1864 a primeira edição do Evangelho sob o título de Imitação do Evangelho Segundo o Espiritismo.

A partir da segunda edição, a obra passou a ter o título que hoje conhecemos, mas foi somente com
a terceira edição (1865), que o livro teve o seu conteúdo definitivamente estabelecido.

Kardec não pretendeu com esta
obra substituir o Evangelho de Jesus,
como muitos possam pensar, mas
dar-lhe uma explicação em concordância com o espiritismo.

Porém, esta obra provocou a reação daqueles acostumados a ensinar a moral cristã à força de dogmas e explicações enigmáticas, e o que
é pior, adulterando os ensinamentos de Cristo, tendo como base interesses próprios

A intenção dos espíritos, por meio do trabalho sistemático de Kardec foi, portanto, a de resgatar a essência dos ensinamentos de Jesus e que se
constituem na base do cristianismo.

Por meio da comparação entre os textos e do destaque ao conteúdo fundamental, Kardec nos fornece a chave para distinguirmos aquilo
que foi acrescentado por mãos humanas, daquilo que integra a verdadeira doutrina cristã.

O método do trabalho está na busca dos ensinamentos básicos, encontrados de forma coerente e harmônica nos textos evangélicos
e interpretadas à luz dos conceitos fundamentais do espiritismo, quais sejam: a evolução do espírito,
a justiça da reencarnação, a pluralidade dos mundos habitados e a comunicabilidade dos espíritos.

Kardec, ao simplificar o estudo dos Evangelhos, como esclarece Leon Denis em sua obra Cristianismo
e Espiritismo, busca suprimir as obscuridades do texto e revelar as verdades superiores que se
encontravam ocultas sob véus simbólicos,
ensinando ao homem “o que lhe é necessário para se conduzir moralmente na prática da vida”.
Por meio do Evangelho, Kardec nos ensina que o reino dos céus, antes inacessível, está dentro
de nós. Basta que queiramos seguir a jornada, nem sempre fácil, que nos conduz ao autoconhecimento
e que nos leva a amar aos outros como a nós mesmos.

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