ed.18–Matéria de capa – Deus

Gláucia Savin

Deus3

A compreensão de Deus, para mim, sempre foi uma ideia inata. Desde criança, me lembro de acreditar absolutamente na existência de um ser superior e único, que não se confundia com a figura doce de Jesus ou com qualquer outra entidade. Essa certeza na unidade de Deus, aliada aos ensinamentos do Evangelho no Lar, acabou originando, depois da convocação de minha mãe à escola, minha precoce dispensa das aulas de religião. Foi para o meu próprio bem (porque nunca soube falar somente o suficiente) e da professora, que afinal, pode mudar de capítulo sem ser interrompida por uma menina impertinente.

Embora essa convicção sempre fosse muito firme, por dever de consciência, entendi que precisava me aprofundar na questão da compreensão de Deus porque, como espírita, deveria saber explicar, de forma racional, as minhas convicções. Comecei, há algum tempo, um estudo que ainda esta longe de terminar, quando o Rafael me propôs este artigo. Na hora, estremeci e pensei: ainda falta muito para eu saber do que estou falando, mas resolvi compartilhar algumas reflexões.

Esse artigo é uma apertada síntese daquilo que venho estudando, na tentativa de exprimir alguma coisa que sinto intensamente na minha vida e que já me impediu de fazer bobagens homéricas: a presença de Deus.

Quando voltamos os nossos olhos para as sociedades mais primitivas percebemos que todas as civilizações tinham, de maneira inata, a ideia da existência de um ser superior, capaz de influenciar, de forma determinante, em seus destinos. O homem primitivo, sem imaginar a amplitude do universo onde estava inserido e por depender dos ciclos da natureza para sobreviver, rendia homenagens aos fenômenos naturais, ao sol, à lua e tudo o mais que não conseguia explicar. Surgiram os primeiros deuses, identificados com a natureza e com os astros.

Com a formação dos primeiros núcleos urbanos, surgem as cidades, os deuses protetores e os deuses familiares. Esses deuses eram muito parecidos com os homens e tinham virtudes e caprichos que deveriam ser satisfeitos por meio de fórmulas incessantemente repetidas para que o deus não se ofendesse. Naquele tempo, a fé implicava a prática de meticulosos cultos exteriores e oferendas, que deveriam ser aprovados pelos deuses a fim de possibilitar o recebimento de uma dádiva. Eram muitos os deuses e ter fé devia dar um trabalho danado.

O advento da grande figura de Moisés marca, não só a introdução do monoteísmo, mas a introspecção do exercício da fé. Moisés abole os deuses e condena a idolatria e, com isto, nos ensina a interiorizar o culto a Deus. Foi um grande avanço espiritual.

Mais tarde, em oposição ao Deus de Moisés que era inflexível, dedicado legislador e intrépido guerreiro, Jesus nos trouxe a ideia de Deus como Pai amoroso, infinitamente bom e justo. Foi um alívio para todos nós. E aproveitando-nos da concepção herdada do judaísmo, foi mais fácil construir a figura de um Deus interior, que “dirige por dentro todas as coisas e que se revela aos homens no mais íntimo da consciência.”

Ao começarmos a estudar o espiritismo, vemos que o conceito de Deus era uma das questões mais importantes para Kardec, que inaugura o Livro dos Espíritos com a primeira indagação aos espíritos: O que é Deus? A esta pergunta, os espíritos respondem: – Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas.

Os espíritos explicaram a Kardec que deveríamos ter humildade para compreendermos Deus porque nos faltam conhecimento e capacidade de percepção em relação à essência divina. E nos forneceram apenas uma lista de atributos, ou seja, de características que podem nos ajudar a formar uma concepção de Deus. Assim é que nos explicaram Deus é eterno, porque não teve começo e não terá fim; é imaterial, ou seja, não é feito da matéria grosseira dos mundos que habitamos; é onipotente, pois tudo pode e, mais importante de tudo, é infinitamente bom e justo.

A mensagem dos espíritos, transcrita por Kardec, não difere muito de outra concepção, expressa muito mais tarde: "Minha religião consiste em humilde admiração do espírito superior e ilimitado que se revela nos menores detalhes que podemos perceber em nossos espíritos frágeis e incertos. Essa convicção, profundamente emocional na presença de um poder racionalmente superior, que se revela no incompreensível universo, é a idéia que faço de Deus". A concepção acima, para espanto de muitos, foi expressa por Albert Einstein, a quem alguns atribuíram à condição de ateísmo, em razão de sua discordância em relação às religiões convencionais.

Nos dias atuais, o avanço da ciência, ao invés de nos afastar da compreensão de Deus, reforça a nossa crença na existência de uma inteligência superior. Quando observarmos a complexidade do universo que nos circunda, ou mesmo quando nos damos conta de que para que cada um de nós estivesse aqui agora, trilhões de átomos tiveram que se reunir de maneira organizada para que pudéssemos existir, percebemos que a mera combinação aleatória não geraria construções tão eficientes e duradouras. Não somos frutos do acaso.

Somos forçados a reconhecer a existência de uma causa inteligente por trás da criação do Universo e de nós mesmos. Ao olharmos para o céu, para o fundo do mar ou mesmo para o nosso interior veremos a força da criação inscrita em cada partícula. Em todo o universo e em nós mesmos, vemos estampada a assinatura de Deus.

Para entender mais:

- O Livro dos Espíritos – Alan Kardec

- O Espírito e o Tempo – Herculano Pires

- Cristianismo e Espiritismo – Leon Denis

- Uma história de Deus – Karen Armstrong

índice

Nenhum comentário:

Postar um comentário